Família Cortez





Fabbio com Valéria e os filhos Marianna e Fabbio Gabriel

És minha lâmpada

.
À noite,
elétrico,
te acendo.

E me aqueces.

Insaciável

.
pensei que fosses
saudável caminhada

mas és corrida
sem linha de chegada

Desequilíbrio

.
Tantas, tantas vezes te reergui
e voltei quieto a meu tombo.

Mas não satisfeita me queres
sob teus derradeiros escombros.

Aproveitando a homofonia, algumas rimas

.
Dizem brincando que pelo meu nome
devo ser todo o tempo cortês.

Mas viro uma fera quando com fome,
confesso por exemplo a vocês.

E não falo a de comida, ela some
com duas boas mastigadas ou três.

O apetite maior, que mais me consome,
é de boa justiça: um apuro nas leis.

Marianna

.
quando você nasceu
eu me vi no todo,
eu era ali o belo cenário do mundo;

eu havia inspirado o ar livre da paisagem
feita das paredes interiores do elevador,
onde ajoelhei pedindo que tudo desse certo.

em ti,
verdadeiro poema,
inspirei-me para viver
muito mais!

senti paz,
muito mais,
pois você também me viu no todo:
reconheceu seu amigo-papai
como reconhecera sua amiga-mamãe,
eu sei,
pois seus olhinhos acenderam
ao encontrar os meus
quando você passou nos braços da enfermeira
pelo corredor da maternidade.

de tal forma
que amei mais o amor:

nascia naquela noite de maio
um sobreamor,
um inexplicável,
raro
e doído amor;
uma tal poesia
que até então eu não compreendia:

era você, Marianna
é você, Marianna!

Uma Ferrari no engarrafamento

.
(A Fabbio Gabriel)

Perdoem-me, papai e mamãe,
vou tentar ser mais bonzinho...

Puxa, mas sabe o que é?
Eu não sou malvado.
Quando faço pirraça ou bato o pé
ou choramingo querendo alguma coisa
que já tenho aos montes,

é por que tem, sei lá,
um motor grandão dentro de mim
me fazendo correr sempre mais,
dominar a tevê para assistir cada vez
a mais desenhos,
tomar outro sorvete,
querer outros brinquedos
e voltar a correr,
e...

É o motor, papai, não sou eu...
é o motor, mamãe!

Vê-te, sê-te

.
Fecha teus olhos.
Fecha forte teus olhos como nunca o fizeste,
tranca-os com as sete chaves que a Noite,
mãe do Destino,
te deu.
Faze sem medo um breu de dar medo,
amarra na vista a venda de sete cores cegas
que a Vida te disse,
amarrota tua lágrima entre os cílios,
e vê a Luz.
Que a Luz
sussurrará de dentro de teu susto
sobre quais caminhos poderás seguir:
ouve a Luz,
cheira-a,
bebe-a,
toca nos calidoscópios a ti desvendados,
e desvende-te:
sim, verás o que fores,
serás o que vires,
sim, vê-te, cego,
sê-te!

Querer-mais

.
Se minhas pobres rimas
vês lá como boa arte,
decerto nisso me animas,

feliz sou, só que em parte:
em teus olhos me li, mas
desejo mesmo é beijar-te.

Rimas pobres, rimas ricas

.
(Da série "O versejador tímido")


Rimas pobres, rimas ricas
para mim mistério são,

e se é te parecer maricas
demonstrar amor demais,

não sei então se sou capaz
de tocar teu coração,

mas com emoção extrema
canto a ti este poema:

Das estrelas és a mais bonita
de todos os meus "une-versos",

pois por ti a poesia infinita
ilumina-me os voos dispersos.

As coisas vivas da noite

.
A cama cansada da gente
riu um riso nervoso,
o soalho a ranger os dentes,
quase um choro:

o criado-mudo censurou o ruído,
mas o abajur, muito elétrico,
beijou de luz branda a cortina,
que se abriu toda, deixando ver-lhe a janela da alma:

então lá de fora, vestido de penumbra,
o céu viu nossa cadência de estrelas trocando desejos
nessa morte recíproca em segredo,
eterno fim dos libertos presos.

Depois,
um chá de camomila,
calma e docemente,
bebeu nossos restos de sede.

14 falhas e ingênuas redondilhas para recheio de pseudo-haicais

.
Amo tua natureza,
mas não sei fazer haicais.

Se eu metrificar belezas
e emoldurar instantes

posso tornar-me elegante,
ah! será que me lerás?

A tendência oriental
de estrutura tripartite,

muito antiga por sinal,
pode ser que eu imite

no futuro até, quem sabe?
Só que agora dá licença,

deixo esta lacuna densa
antes que a caneta acabe.